Certa vez eu amei, mas o tempo o fez ir se afastando pouco a pouco, e não porquê não gostasse de mim, mas o desejo por outros corpos gritava mais forte. Se o amava, deveria deixa-lo livre, e se ele me amava, deveria me libertar, mas as dúvidas ecoavam em nosso dias, até que a grande pergunta veio; Vamos abrir a relação? Pensava nisso dia e noite. O dilema entre monogamia e não monogamia não é apenas uma questão de escolha de estilo de vida, ela reflete tensões filosóficas e psicológicas profundas sobre liberdade, desejo, compromisso e principalmente sobre nós e o outro. Não era algo simples, já que até então nunca havia pensado nas relações sob esta configuração. Mas também sabia que não se tratava de algo de outro mundo. Até porque, não poderia ser hipocrita e dizer que não desejava outros homens, e que talvez, abrir a relação seria interessante e uma experiência nova. Mas por se tratar de algo do qual eu não saberia como iria lidar, tinha medo, já que nossa relação não se inciou assim. No entanto, lhe disse sim, mas então veio a grande questão nisso tudo: Eu faria aquilo por ele, por nós, então não seria genuíno da minha parte, não seria uma escolha legítima, mas também não poderia obriga-lo a ficar, e ele também tinha alí uma escolha a ser feita, mas então por não estarmos em sintonia naquele momento da vida, decidimos que cada um iria para um lado. Fim!
Entretanto, isso é algo que sempre fiquei refletindo e sempre que conhecia uma casal aberto, ou quando algum me fazia propostas, eu perguntava como era suas relações, e com o tempo fui percebendo que não havia um jeito só. Existia diversos tipos de contatos e acordos. E com o tempo fui estudando a respeito e formulando sínteses para lançar os questionamentos que estou prestes a fazer aqui, portanto convido vocês a falar sobre esse assunto, que ainda gera muitos tabus mesmo nos dias de hoje. Não possuo um lado, apenas vou vivendo e experiênciando as coisas, me construindo e desconstruindo o tempo todo e vendo o que funciona ou não pra mim e todos deveriam fazer o mesmo, ao invés de apenas julgar ou criticar os outros.
Devemos então abrir a discussão levando em consideração de que enquando a monogamia tradicional tem raízes em estruturas sociais, religiosas e até econômicas, a não monogamia propõe um rompimento com esses moldes, promovendo um entendimento de relacionamentos que priorizam a liberdade individual e a multiplicidade de afeto.
No entanto, um questionamento válido que surge ao se refletir sobre a não monogamia é se a sua adesão é realmente fruto de uma escolha consciente e ética ou se, muitas vezes, serve como uma justificativa conveniente para a busca de outros parceiros, sem necessariamente encarar as implicações dessa escolha. Se a não monogamia é defendida como uma forma de viver com mais autenticidade, seria correto questionar até que ponto essa liberdade afeta o outro envolvido na relação. Existe, de fato, uma responsabilidade afetiva nas dinâmicas não monogâmicas ou, em certos casos, essa abertura é uma forma de evitar o aprofundamento emocional, criando uma "liquidez" nos vínculos afetivos?
E eu sempre falo em meus textos mais críticos sobre a liquidez das relações afetivas, e é algo que sempre tentar trazer alguma reflexão. A filósofa Zygmunt Bauman falava sobre a "modernidade líquida", uma era onde compromissos e conexões humanas tornam-se efêmeros, dissolvendo-se com facilidade em favor de uma flexibilidade que evita o peso do compromisso. E acredito isso ser um argumento muito válido pois mesmo pode ser dito da não monogamia em suas formas menos estruturadas: ao abraçar múltiplos relacionamentos sem uma clara reflexão sobre as responsabilidades emocionais envolvidas, corre-se o risco de tratar os afetos como descartáveis, negociáveis, sem a densidade e profundidade que uma relação mais comprometida pode exigir.
Isso não significa que a não monogamia seja, em sua essência, superficial ou irresponsável, não quero que pensem que estou dizendo isso. Existem relações abertas construídas com transparência, diálogo e compromisso mútuo. No entanto, a crítica que se faz aqui é à tendência de usar o discurso da liberdade como uma maneira de evitar desafios inerentes aos relacionamentos íntimos: ciúme, insegurança, ou até mesmo o trabalho emocional necessário para sustentar um vínculo sólido. E sabemos que isso acontece, que existem pessoas que não sabem lidar com estes aspectos da relação a dois e cria subterfúgios para mascarar isso. Sendo assim lanço o questionamento: Até que ponto estamos, de fato, ampliando nosso conceito de amor e liberdade, e em que momento estamos simplesmente escapando da vulnerabilidade e da responsabilidade?
Monogamia e não monogamia são, em última análise, expressões de valores pessoais. Mas, independentemente da escolha, é importante que haja uma reflexão ética sobre o impacto que essas escolhas têm nas vidas e nos corações das pessoas envolvidas. Liberdade sem responsabilidade corre o risco de transformar os relacionamentos em experiências superficiais, de qualquer jeito, enquanto compromissos éticos, sejam monogâmicos ou não, podem enriquecer nossas vidas afetivas, fornecendo profundidade e sentido em um mundo cada vez mais líquido e raso.
Então no final das contas, o dilema sempre vai existir. Após a escolha de abrir ou não a relação, muitas outras perguntas começam a se formar. Certa vez, me perguntei: se o amor é sobre compartilhar, até onde podemos compartilhá-lo sem perder a nossa essência? A busca por outros corpos e experiências é realmente uma expansão de nós mesmos, ou estamos tentando preencher lacunas emocionais que nem sabíamos que existiam? E isso que pega exatamente no ponto em que quero chegar. Nisso tudo, o que está te movendo de fato?
A ideia de que o amor deveria ser livre nos coloca frente a outro desafio: até onde a liberdade pode ir antes de começar a desmoronar o sentido de compromisso? Será que estamos, ao fugir da monogamia, realmente nos conectando mais com os outros, ou apenas criando laços mais superficiais, sem o peso necessário para sustentar algo que por natureza é complexo? E, quando nos perdemos nesses relacionamentos líquidos, será que não acabamos também diluindo partes de nós mesmos?
Quando vejo casais em relações abertas, me pergunto se há realmente um equilíbrio entre a liberdade e a responsabilidade, ou se uma dessas partes acaba pesando mais, eventualmente desequilibrando o conjunto. Já conheci casais que nitidamente não tinham sintonia, que em suas relações não existia qualquer vínculo de lealdade, como também conheci outros que o amor era a base e a relação fluía de modo que se notava claramente a parceria e o respeito.
Então eu me perguntava: Qual os sentimento que move aquele casal?
Enfim, acredito que a cada escolha que fazemos, seja pela monogamia ou pela não monogamia, precisamos lembrar que ambas as opções exigem algo de nós. Pode não ser agora mas em algum momento da vida. Em um mundo que preza pela liberdade pessoal disfarçada em egoísmo e individualismo, a responsabilidade e a profundidade emocional podem parecer coisas antigas, mas são justamente elas que fornecem a sustentação necessária para que qualquer forma de relacionamento se mantenha viva e significativa.
O amor é plural, é diverso, é complexo e seja ele vivido em uma relação fechada ou aberta, precisa de raízes para florescer, e essas raízes são o compromisso, a vulnerabilidade, e a disposição de enfrentar os desafios juntos, sem fugir para soluções convenientes. Então vivamos toda sua pluralidade, até como forma de auto conhecimento. Se conheça de verdade, e veja com clareza e coerência o porque das suas escolhas. E independente do formato de suas relações e isso vale principalmente para os monogâmicos, o outro sempre deve ser livre, e não estou falando no sentido sexual pois parece que tudo só se resume a isso e não é. Mas sim, também sobre a vida como um todo, em todos os seus aspectos. E cuidado para não confundir o ego com liberdade e amor próprio, pois ter alguém para partilhar os bons e maus momentos da vida ainda sim sempre vai ser uma experiência maravilhosa. Então sendo monogâmico ou não, tenha responsabilidade afetiva como filosofia e prática vital, pois cada um de nós estamos provando o que dá certo ou não, e não sejamos o trauma de alguém só porque não aprendemos a como lidar com os nossos.
E por fim, deixo aqui minha grande pergunta: que tipo de amor estamos cultivando, e será que ele realmente nos faz evoluir, ou apenas nos deixa vagando sem direção?
Abraços, Wesley
(As Crônicas do Vale)
⬇️ Abaixo deixo este poema.
ENTRE O VOO E A ÂNCORA
Entre a promessa de um só olhar
e o desejo de mil liberdades,
caminho na linha tênue
entre o que se diz eterno
e o que se dissolve em brumas.
Falar de amor é simples,
quando o peito não se afunda no peso,
quando os corpos não se perdem
em noites que esquecem do dia.
Mas onde está a verdade?
No toque de um único coração,
ou nos braços que se abrem ao mundo,
sem saber até onde segurar?
Dizem que o amor é livre,
mas o que é a liberdade sem raízes?
Seremos nós apenas passageiros
em laços que não duram,
ou é o compromisso um porto
que nos assusta, mas nos ancora?
Há quem diga que a monogamia aprisiona,
mas também há quem se perca
na vasta imensidão da não monogamia,
navegando entre rostos
sem nunca fincar a bandeira
num coração que ecoe o próprio.
Ser livre é belo,
mas ser livre é estar pronto para o outro?
Ou somos só líquidos,
derramando-nos sem forma,
sem toque que deixe marcas profundas?
No fim, resta o dilema:
se o amor é voo,
também é chão.
Se o desejo é vasto,
também é casa.
Por: Wesley Diniz